Seus olhos permaneciam contemplando o mesmo lugar há mais de duas horas – as telhas permaneciam encarando de volta. Levantou – se, bebeu um gole de uísque Teachers com duas pedras de gelo, o líquido desceu rasgando sua garganta aquecendo o resto do seu corpo, seu marido continuava a dormir na mesma posição desde o momento em que deitou às 22h. Cobriu-se com uma toalha e saiu do quarto descalça, sentia a frieza da cerâmica em seus pés também gelados. Escorou-se na parede da varanda com o copo de uísque na mão, esfregou o em sua face que estava um pouco quente, na rua dois gatos berravam miados estridentes, retirando o sono de outras pessoas também, talvez.
Penetrou seu olhar através dos sussurros da noite, encarou as janelas alheias tentando encontrar companhia. Entrou na sua sala de leitura e recolheu um livro da estante, nele apresentava na capa parte do corpo de uma mulher de camisola rosa de bruços, talvez estivesse lendo algo também. Elogio da madrasta, esse era o título do livro, tinha começado a lê-lo mais cedo, estava curiosa com a estória de vida [in]tensa da madrasta. Leu algumas páginas a mais, parou, seus olhos ardiam de sono, mas era só deitar-se para passar. Ouviu passos chegando até a porta da sala, levantou a cabeça e aguardou a entrada de seu marido que estava com a cara amassada de sono.
Ele a pegou pelos braços para levantá-la do chão onde lia, enlaçou sua cintura e beijou sua boca com paixão, ela retribuiu. Os dois deitaram no chão gelado da sala, ele tirou a toalha que envolvia seu corpo e começou a beijar lhe o corpo todo. Em cima da mesa um celular tocou com dois bipes de mensagem.
_ É uma mensagem de voz. - ela disse olhando a tela do celular.
_ Coloca no viva-voz e volta aqui. – ele sussurrou como se fosse acordar mais alguém estivesse na casa.
_ Este foi o melhor dia da minha vida. Te amo mais do que tudo. – foi o que se ouviu da mensagem, os dois cessaram os beijos e se olharam.
“Entre a boca da noite e a madrugada, muita cidade passou, muito caso eu aprendi, muitas pessoas ganhei, outras tantas eu perdi, vi gente de toda sorte, gozei encontros com a vida, sofri encontros com a morte.
Muita angústia foi calada, muita mágoa foi oculta, muito caminho andado, muito sapato acabou, muito custou aprender no grande livro do mundo.
[...]
Tanto pôr-do-sol guardei, tanta noite não dormi, tanta insônia cultivei, madrugada apascentei, muita aurora atocaiei, muitas estórias ouvi, algumas delas contei, outras tantas escrevi.
Tudo
entre a boca da noite e a madrugada.”
Milton Dias, Entre a Boca da Noite e a Madrugada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário